26/01/2024
Por: Rogério Aleixo Pereira (*)
Neste artigo vamos traçar alguns elementos que envolvem o ingresso de cônjuges e/ou herdeiros de um sócio falecido em uma sociedade e os seus diversos desafios e requisitos.
Em geral, as sociedades constituídas no Brasil adotam a sociedade limitada como seu modelo principal, mas vários aspectos tratados aqui também se aplicam aos outros tipos societários estabelecidos na legislação. Para contemplar o que poderíamos chamar de uma regra geral, vamos nos ater principalmente aos aspectos da entrada (ou não) do cônjuge ou herdeiros de um sócio falecido nas sociedades limitadas.
O primeiro ponto que chamamos a atenção é o fato de que é o Contrato Social o principal veículo para definir a entrada ou não de sócios por sucessão, já que a legislação pouco trata do assunto, deixando critério das partes uma definição.
Mas se as partes forem omissas, isto é, seu contrato social ou estatuto não estabelecer sobre qual conduta adotar no caso do falecimento de um sócio, então a lei determina a extinção da empresa. Este caminho é de certa forma um contrassenso, pois quotas sociais são consideradas bens móveis e bens móveis são passíveis de inventário, podendo ser transferida aos herdeiros.
Entretanto, quando estamos tratando de direito societário, um elemento prévio à sua existência é a chamada affectio societatis, que em outras palavras quer dizer a vontade de se associar para um fim econômico, desenvolvido dentro da sociedade.
Isso mostra que o sistema jurídico não é dado a interpretações literais, mas a princípios e, neste caso, me parece sábia a pouca intervenção estatal na questão, deixando às partes a decisão de como agir na hipótese do falecimento de sócios, sob pena de uma severa penalidade (extinção da empresa).
Em geral, pelo menos do que temos observado ao longo de nossa experiência como advogado e dos tempos em que atuamos como Vogal da Junta Comercial do Estado de São Paulo, os contratos sociais dispõem a possibilidade do ingresso de cônjuges e herdeiros de um sócio falecido, mas subordinado a vontade dos sócios remanescentes, que definirão se os sucessores vão ou não continuar no negócio.
Nos parece evidente que tal redação é feita no sentido de não desagradar o outro sócio, no momento da formação do contrato, ao mesmo tempo que permite que os sócios remanescentes, se não dispuserem de numerário para o pagamento das quotas sociais do falecido, aceitem o seu ingresso na sociedade, evitando a sua liquidação, que é um processo que pode ser destrutivo para o empreendimento, porque apura ativos e passivos para se chegar ao seu valor, o que é por vezes muito caro, liquidando-os (aqui o vocábulo é no sentido de “vendendo-os”), o que leva tempo e, as vezes, simplesmente atinge os meios de produção do negócio.
Mas para que herdeiros e sucessores ingressem na sociedade, é necessária aprovação unânime dos demais sócios, o que, em termos práticos, pode ser difícil de alcançar, especialmente se os demais sócios têm interesses divergentes, quando os herdeiros não estão preparados para a sucessão em termos profissionais ou de conhecimento do negócio, ou mesmo representem gerações muito diferente dos sócios remanescentes.
Pagamento de haveres a sucessores, que não representam uma liquidação da empresa, parecem ser uma solução melhor, mas isto também não é tão simples precisa estar bem definido no contrato social ou em um acordo de sócios (acordo de quotistas ou acionistas) conforme trataremos mais adiante. Um outro ponto que chamamos a atenção é o Regime de Bens de sócios casados ou que convivem em União estável e, neste caso, devemos analisar dois pontos importantes.
No caso de divórcio ou extinção da União Estável, neste último caso considerando que a empresa foi constituída durante a existência desta união, o cônjuge já pode ser considerado um sócio por direito, mas se o contrato social ou acordo de sócios não possuir elementos para impedir, por exemplo, o condomínio de quotas sociais ou mesmo uma disposição contra o ingresso de cônjuges, a sociedade e os sócios remanescentes podem ter problemas.
Já no caso do falecimento do sócio casado ou vivendo em União estável, o ingresso do cônjuge do sócio falecido segue as mesmas regras e problemas da sucessão pelos herdeiros, como tratamos acima, até porque segundo a legislação sucessória, hoje, o cônjuge casado no regime comunhão parcial também é um herdeiro junto com os demais filhos.
Admitidos ou não os herdeiros e o cônjuge do sócio falecido e, passando pelas formalidades legais da sucessão, os sócios remanescentes deverão verificar se o inventário de bens já foi iniciado ou encerrado, porque uma série de questões, principalmente quanto ao pagamento de lucros, deve ser observada.
Em regra, com o falecimento do sócio, os direitos políticos que ele detinha na sociedade desaparecem. Em outras palavras, isto quer dizer que do ponto de vista da administração e das decisões sociais, os herdeiros e o cônjuge não podem participar de reuniões de sócios ou deliberações de assembleia, restando a eles apenas o direito ao lucro (ou ao prejuízo).
Não queremos olhar pelo lado da má-fé, mas muitas “oportunidades” podem ser abertas aos sócios remanescentes no sentido de prejudicar os herdeiros e sucessores, bastando, por exemplo, chamar uma reunião ou assembleia de sócios para aumentar o capital social da empresa, com intenção de diluição da participação do sócio falecido, porque sabem que a família não dispõe de recursos ou tem seus recursos congelados por conta do inventário. Poderíamos dar outros exemplos, mas este não é o objetivo deste artigo.
Isto quer dizer que se não estiver estipulado no contrato social ou no acordo de sócios que, no caso do falecimento de um sócio, os poderes políticos serão transferidos para o inventariante, representante legal do espólio, há chances de haver prejuízo para a família do falecido como um todo.
Mas se a opção for pela não admissão de herdeiros e sucessores, como já havíamos comentado, a determinação do valor das cotas sociais do sócio falecido e a forma de pagamento aos herdeiros ou cônjuge pode ser um processo complexo e disputado.
Avaliações precisas e justas são fundamentais, mas muitas vezes difíceis de serem obtidas devido a números contábeis nem sempre confiáveis, bem como divergências entre as partes. O caminho, segundo nossa experiência, é definir por contrato ou por meio do acordo de sócios, o valor da sociedade, até porque há previsão legal permitindo tal condição.
Neste caso, o contrato ou o acordo de sócios pode prever, por exemplo, uma fórmula de avaliação da empresa ou a definição anual de seu valor na reunião anual dos sócios, um meio de pagamento razoável e viável, sem comprometer o caixa da empresa, a inclusive com a constituição de um usufruto dos lucros em favor dos herdeiros, com recebimento de dividendos isentos, a contratação de um seguro de vida pago pela empresa, que permita o pagamento da indenização aos sucessores pelas quotas entre outros modelos de pagamento.
Nem sempre gostamos de tratar de questões vinculadas à morte ou incapacidade de sócios, mas este é o destino sabido por nós desde os primeiros dias de nossa existência.
O ingresso do cônjuge ou herdeiros de um sócio falecido em uma sociedade limitada é uma questão jurídica complexa que envolve desafios legais, processuais e contratuais.
É essencial que todas as partes envolvidas busquem aconselhamento jurídico adequado e estejam dispostas a negociar e resolver disputas de forma a preservar os interesses da empresa e dos envolvidos. Ter um contrato social bem estruturado e um acordo de sócios pode ser fundamental para lidar com essas situações de maneira mais eficiente e justa.
*Rogério Aleixo Pereira é advogado especializado em Direito Empresarial em São Paulo. Sócio da Aleixo Pereira Advogados